HISTÓRIA DE UMA RAÇA “SEM FRONTEIRAS” | REVISTA RAÇA MARCHADOR

HISTÓRIA DE UMA RAÇA “SEM FRONTEIRAS”

ACADEMIA DO MARCHADOR

HISTÓRIA DE UMA RAÇA “SEM FRONTEIRAS”

HISTÓRIA DE UMA RAÇA “SEM FRONTEIRAS”

Ao abrirmos o ciclo de crônicas & textos dedicados à ACADEMIA DO MARCHADOR, escolhemos um memorial que trata das diversas linhagens existentes dentro da Raça Mangalarga Marchador, que tem por data de batismo oficial o dia 1º. de Janeiro de 1761 quando foi benta a Capela de São José do Favacho (Cruzília – MG), situada em frente à casa do Patriarca João Francisco Junqueira, na centenária Fazenda do Favacho.

As linhas que traçamos foram inspiradas em observações dos antigos e tradicionais criadores do sul de Minas e Zona da Mata Mineira, bem como em próprias anotações que colecionamos desde 1971 quando, em Sacra Família do Tinguá (RJ), vislumbramos pela primeira vez um garanhão da nobre raça. São cerca de 48 anos de vivência, aprendizado e algumas pedras pelo caminho...

Desde então, foram publicados de nossa lavra cerca de 10 obras dedicadas aos temas históricos da raça; sempre no intuito de preservar e resgatar o que nos foi ensinado por nossos Mestres.

Assim, saudamos com alegria e regozijo, o surgimento desta nova publicação, a qual se propõe a fomentar por todo Brasil e, no Exterior, o crescimento do Real Cavalo Mangalarga Marchador, descrito em nosso hino oficial da lavra do sensível Eduardo Araújo, como: “Aquele que montava o Imperador”.

Um tríplice abraço, ... saindo do curto e chegando ao largo!

“(...) Cavalo Mangalarga Marchador

Tudo começou com o trabalho pioneiro de seleção feita por Gabriel Francisco Junqueira, o Barão de Alfenas, na Fazenda Campo Alegre, sul de Minas. Logo, a fama daqueles animais de sela adquiridos pela Fazenda Mangalarga, no Estado do Rio, distinguia-se como modelo de conformação resistente para o trato rural e comodidade para o cavaleiro. Bom para longas viagens, a sua difusão foi imediata. Na sua trajetória, a raça se dividiu em duas: levado para uma região topograficamente diversa por um ramo da família Junqueira, o Planalto Paulista, com uma leve infusão de sangue de outras raças estrangeiras, surgiu o Mangalarga “Paulista”, que passou a se caracterizar pela marcha trotada. O Mangalarga “Mineiro” manteve o seu andamento original, a marcha batida ou picada. Daí, Mangalarga Marchador. 

A partir de um acompanhamento zootécnico realizado com rigor por criadores aficionados do Mangalarga Marchador, forma-se a primeira raça do continente americano, destacando-se como o mais brasileiro dos cavalos nacionais, por ter sido selecionado a mais de 150 anos, sem sofrer qualquer cruzamento com animais estrangeiros. O legado do Barão de Alfenas aos seus descendentes, que se distribuíram pela região sul de Minas Gerais, foi consolidado através dos anos por cinco seculares fazendas, consideradas como pilares da raça Mangalarga Marchador.  

Através do trabalho incansável de seleção dos plantéis por parte de seus proprietários, estas fazendas deram origem às principais linhagens que atualmente regem a raça. O estágio de evolução atingindo pela raça está, portanto, estreitamente ligado à dedicação desses antigos fazendeiros de Minas, principalmente os filhos, netos e inúmeros descendentes da família Junqueira, que além de darem prosseguimento à atividade seletiva e aprimoramento dos rebanhos, preservaram em quase todos os seus aspectos as fazendas onde esse trabalho teve início. 

São elas: Favacho, Angahy, Traituba, Engenho de Serra e Campo Lindo. .(...)”

Os descendentes de Helena Maria do Espírito Santo, filha da Ilhoa Júlia Maria da Caridade, ao começarem a trocar suas atividades extrativas – mineração – pela agropecuária, desenvolveram um tipo de cavalo de porte médio, forte, de boa ossatura, frente um tanto carregada, perfil pouco retilíneo, com tendência para o sub-convexo, pescoço de inserção baixa. A garupa, nem sempre longa, com inserção de cauda quase sempre baixa. O andamento, muito variado. Desde o diagonalizado até o lateralizado puro, a andadura.
Dados históricos e geográficos, além do próprio tipo do cavalo, nos permitem imaginar que estes animais fossem originários do cavalo Barbo ou Berbere, do norte da África, e também das raças nativas da Península Ibérica – o Minho, o Garrano e o Sorraia, sendo que estas já possuíam também o sangue Barbo, por invasões mouras na Península Ibérica. Daí, por invasões ibéricas, chegaram ao Brasil.
Posteriormente, temos notícia da introdução do sangue andaluz-lusitano, já no criatório de outro descendente das Ilhoas, o Barão de Alfenas – Gabriel Francisco Junqueira, que foi presenteado pelo Imperador com um garanhão vindo da Coudelaria de Alter do Chão, em Portugal. Pela militância política na Corte e acesso às rodas de expressão nacional, o Barão deu grande notoriedade à raça que então começava a se desenvolver.
A raça, então dita Sublime e depois Mangalarga, teve vários núcleos formadores, daí sua diversidade e relativa falta de padronização, o que de certa forma ainda hoje se observa.
A seleção inicial se fez principalmente visando o andamento cada vez mais cômodo, trabalho esse que veio desaguar na marcha batida ou picada, conforme a localização de cada núcleo.  Naqueles mais próximos à região do Rio das Mortes, portanto mais influenciados pela mineração, a preferência era pela marcha picada. Nos núcleos localizados mais próximos à Baependi, Aiuruoca, São Thomé das Letras, em que a atividade principal passara a ser a pecuária, havia nítida preferência pela marcha batida.
Interessante em tudo isto notar que os cães tiveram bastante importância na fixação do tipo de andamento dos cavalos. Era costume – e ainda é – na região, a caça ao veado-campeiro, na qual se utilizam animais de andar mais equilibrado e velozes para acompanhar as matilhas da raça Nacional. O Nacional era um cão de caça amarelo ou avermelhado, de pouca ou nenhuma pinta, de pouco faro, goela fraca (na linguagem do caçador significa o cão de uivo fino e pouco expressivo). Mas era um grande velocista, que perseguia a caça orientado pela visão e não pelo faro.
Posteriormente, à cidade de Carrancas, chegaram alguns exemplares de cães que hoje chamamos ‘americano’. Esses Fox-Hound foram trazidos por um engenheiro americano que trabalhava na construção da estrada de ferro regional. Eram cães bons de faro e já não perseguiam a presa orientados pela visão. Com eles transformou-se o tipo de caçada, já agora sem o objetivo de matar, mas com o de apreciar o trabalho dos cães pelo faro e ouvir o toque. E a montaria das caçadas foi sendo mudada. Dos antigos cavalos corredores, a procura já era por cavalos mais cômodos.
Claro que no meio de tudo isto foram aparecendo os homens que mais se identificavam com os cavalos, com sua criação e seleção. E cada qual partiu em busca de SEU cavalo. Então começaram a surgir as LINHAGENS. (...)”.

“(...) A formação das famílias sul-mineiras a partir das famosas Ilhoas, que por sua vez deram início à seleção de animais, entre os quais o que viria a ser o Mangalarga Marchador, tem sequência com os descendentes de Helena Maria do Espírito Santo, que se casara com o português João Francisco, iniciando assim, a família Junqueira. Deste casamento, nasceram vários filhos, dos quais sete chegaram à idade adulta.
Casamentos foram se realizando. Novas famílias se formaram, já então com outros nomes aduzidos àquele inicial, mas todas descendentes de Helena Maria do Espírito Santo.
Todos fazendeiros. Todos eram aficionados das caçadas ao veado. Todos criavam cavalos para as lides do dia-a-dia e para seu lazer predileto. Então, alguns grupos se destacaram no mister de criar cavalos. São as LINHAGENS DE BASE.
Posteriormente, outros fazendeiros desenvolveram criatórios, dentro do mesmo espírito dos precursores, formando novas linhagens. São as de TRADIÇÃO.
Alguns, no correr dos anos, pararam. Mas a influência de seus animais se fez e faz sentir até hoje no Mangalarga Marchador. São as LINHAGENS EXTINTAS.

Em linhagens de BASE citam-se: a) Favacho, b) Campo Alegre, c) Traituba, d) Narciso, e) Campo Lindo e f) Angahy.

a. FAVACHO
Dos vários filhos do Patriarca João Francisco e Helena Maria, o mais velho foi João Francisco Junqueira Filho, que se instalou na Fazenda do Favacho. Do seu casamento com Maria Inácia do Espírito Santo Ferreira, nasceram oito filhos. Deles, destacou-se José Frausino nascido em 1805, que ficou morando na Favacho após a morte do pai. A partir dele foi iniciada a seleção de cavalos, dando-se sempre ênfase na seleção do animal bom de sela, cômodo, mas ligeiro, cavalos “prontos”. Do Favacho eram os reprodutores: Fortuna I, Fortuna II e Fortuna III. Este foi levado para o estado de São Paulo, depois de ter servido por alguns anos no plantel do Favacho. Em São Paulo, nasceram os Fortuna IV e V, tendo voltado para o Favacho um descendente deles, o Armistício, que foi pai de Candidato, cavalo de imensa importância no criatório sul-mineiro em geral. Dos Fortunas também descende Colorado, de capital importância no criatório do Mangalarga, também chamado de Mangalarga “Paulista”. 
Reprodutores que tiveram influência na tropa do Favacho, no correr dos anos: Plutão, Canadá, Duque, Calçado, Manco, Trovão, Montenegro, Fla-Flu, Jambo, Gesso, Albatroz, além dos já citados Armistício e Candidato.
 

b.CAMPO ALEGRE
Fazenda de Gabriel Francisco Junqueira, depois Barão de Alfenas. Gabriel era filho do patriarca da família, João Francisco. Nasceu em 1782, na Campo Alegre, onde continuou morando. Casou-se com Ignácia Constança de Andrade e tiveram 10 filhos. Dentre eles, dois se destacaram na criação de cavalos: Gabriel Junqueira, chamado “Chiquinho do Cafundó”, de quem descendem os proprietários da Fazenda Tabatinga, e Antônio Gabriel Junqueira, da Fazenda Narciso, onde também se criaram famosos reprodutores da raça.
A Gabriel Francisco Junqueira é creditado o mérito de ter criado um tipo peculiar de cavalos, assim como a fixação do andamento marchado, tudo a partir de cruzamentos feitos de seus animais com um garanhão que lhe fora presenteado pelo então Imperador do Brasil.

 

c.TRAITUBA
Construída em 1831. Seu primeiro proprietário foi João Pedro Junqueira, que foi pai de João Pedro Diniz Junqueira. Uma filha deste casou-se com José Frausino Fortes Junqueira, e a partir daí a criação de cavalos tomou vulto na fazenda. Tropa muito semelhante em tipo e aptidões à do Favacho com ênfase para as qualidades funcionais do cavalo. Garanhões que influenciaram a tropa: Pégaso, Canário, Glicério, Armistício, Rádio, Rádio II, Bibelô, Beduíno, Candidato e Sátiro, este tendo ido para a Fazenda do Angahy, onde exerceu marcante influência.
 

d.NARCISO
Criatório (original) já extinto. Entretanto, até hoje - e sempre será assim- seus animais têm marcante influência na raça Mangalarga Marchador. Era de propriedade de Antônio Gabriel Junqueira, filho do Barão de Alfenas. Quase todas as tropas daquela época, foram beneficiadas pelos reprodutores da Narciso, destacando-se entre eles: Abismo (ou Rosilho), Trovador, Pretinho, Primeiro, Mussolino e The Money.

 

e.CAMPO LINDO
Do casamento de João Francisco Junqueira Filho, do Favacho, com Maria Inácia do Espírito Santo Ferreira, nasceram oito filhos. Destes, um deles era José Frausino. De seu casamento com Ignácia Carolina Fortes da Silva, nasceram sete filhos. Um deles era João Bráulio (´JB´), iniciador do criatório da Fazenda Campo Lindo.
João Bráulio era grande conhecedor de cavalos, a par de ter sido excelente cavaleiro.  Pelo seu alto grau de exigência quanto às suas montarias, João Bráulio conseguiu formar uma tropa de grande refinamento e expressão racial, sem se descuidar das qualidades funcionais. Embora seus descendentes - também notáveis cavaleiros - tenham anos depois passado a registrar os animais na Associação do Mangalarga, de São Paulo, até hoje seus animais têm grande importância no Mangalarga Marchador.
Garanhões que se destacaram: The Money, que foi pai de Bellini, este de grande influência na tropa da Fazenda e no Mangalarga Marchador em geral, Farol, Rio Negro, Clemenceau I e II, Ouro Preto JF, Candidato, V-8 JF, Sargento, Diamante e Sincero.
 

f.ANGAHY

Construída por volta de 1782, por José Garcia Duarte, bisavô de Christiano dos Reis Meirelles, o iniciador do criatório de cavalos no Angahy. Em 1940 assumiu a direção o filho de Christiano, Adeodato, grande conhecedor de cavalos. Em 1959, por morte de Adeodato, a direção passou para seus filhos. Cavalos que influenciaram na formação e continuidade da tropa: Bônus, Mozart, Mineiro, V-8 JF, Miron, este filho de Sátiro, cavalo da Traituba, de fundamental importância no Angahy, além de Salmon, Veto e Yankee.  Foi do Angahy, um dos mais célebres reprodutores da raça, o Caxias I, nascido na Fazenda Luziania, em Leopoldina. Era também nascido no Angahy o garanhão de nome Angahy, registrado sob o número 1 na Associação Brasileira dos Criadores do Cavalo Mangalarga Marchador. (...)”

 

Este texto foi desenvolvido pelo Conselho de Administração do Núcleo do Sul de Minas dos Criadores do Cavalo Mangalarga Marchador e, por este intenso trabalho de pesquisa, destacou-se o criador Bruno Teixeira de Andrade, de Carrancas (MG), o qual nos vem orientando seguidamente na busca do norte ideal do cavalo marchador.

 

Adicionalmente, por evolução dos tempos, pesquisas que realizamos individualmente e percepção maior do ambiente zootécnico onde se desenvolveu o cavalo Mangalarga Marchador no sul de Minas, indicamos também como LINHAGENS DE BASE:


g.BELA CRUZ
Iniciada em Cruzília (MG) por um irmão de Gabriel Francisco Junqueira – o selecionador José Francisco Junqueira, terceiro filho do Patriarca, que edificou a primeira “casa grande” em 1790. Como se observou ao longo destas sete gerações da Bela Cruz, a seleção de marchadores teve como tônica a funcionalidade para a marcha e caçadas aos veados na região montanhosa do sul de Minas. Alcançou notoriedade nacional sob o comando de Argentino dos Reis Junqueira e seu filho Francisco Darci. O plantel da Bela Cruz, de altíssima expressão racial e qualidade de andamento, foi sempre marcado por um pequeno número de seletas matrizes e uma alta rotatividade de reprodutores. Foram expressivos os garanhões que lá serviram na reprodução, principalmente os empregados a partir de 1948, como: Angahy Mozart, Candidato J.A., Tarzan, Diamante JB, Candidato JF, Angahy Bonus, Jango JF, Dick, Tabatinga Predileto, Caxambu Debate, Angahy Primeiro, Sertão Lobos, Santana Lume, e os seus crioulos: Arubé, Ariano, Cego, Emblema, Farrapo, Gaiato, Kalifa, Kodak, Madrigal e muitos outros.

 

h.ENGENHO DE SERRA
Ainda no século XIX, em 1882, Maria Ribeiro de Andrade (“Maricota”), bisneta do Barão de Alfenas, casou-se com Severino Eugênio de Andrade, que mais tarde recebeu o título de Coronel da Guarda Nacional. Severino Eugênio era filho de Gabriela de Andrade Reis, sobrinha-neta de Inácia Constança de Andrade, da Fazenda Pitangueiras na divisa com Carrancas, e de Francisco Theodoro de Carvalho Rezende, da Fazenda Piranga, localizada às margens do Rio Grande, no município de Carrancas.
Francisco Theodoro de Carvalho Rezende também foi exímio criador e admirador de cavalos. Durante uma estação de monta, algumas das suas matrizes foram cobertas com um cavalo de pelagem camurça, de nome Triunfo, oriundo da Fazenda da Rossinha, também em Carrancas. Deste animal descenderam todos os notáveis animais de pelagem baia que vieram a se perpetuar, ao longo dos anos, na Fazenda Engenho de Serra. Francisco comprou para o jovem casal, Severino Eugênio e ‘Maricota’, a Fazenda Engenho de Serra, localizada em São Vicente Férrer, do Major Antônio Torquato Teixeira, casado com Urbana Amélia de Andrade Teixeira, irmã de Gabriela de Andrade Reis.
A soma dos animais oriundos do Barão de Alfenas, com os já existentes nas Fazendas Engenho de Serra e Pitangueiras, tornou-se a base legítima da Tropa de Marca ‘S’.
Ao longo dos tempos, exímios marchadores lá nasceram, como: Baluarte (depois conhecido como Herdade Baluarte e registrado na ABCCMM como IRPL Baluarte), Abismo (despois registrado como Seta Caxias), Bismark (depois registrado como Herdade Bismark), Prelúdio (depois registrado como Prelúdio Primeiro do Porto) e muitos mais.
Hoje, a Linhagem Engenho de Serra encontra-se em franco trabalho de resgate genético.

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Raça Marchador Edição 1

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