Há mais de duas décadas a Terra Brava Agropecuária, em Patos de Minas/MG, cria e seleciona animais de marcha Picada com o sufixo Passa Tempo, uma das mais reconhecidas linhagens da raça Mangalarga Marchador. De quase extinta, como diversas outras, há, agora, totalmente revitalizada pela Terra Brava.
No início dos anos 2000, Eduardo Campos Filho começou uma jornada por todo o Brasil com um objetivo muito bem definido: resgatar uma das mais tradicionais e consistentes linhagens da raça Mangalarga Marchador, a Passa Tempo, a primeira e única dedicada exclusivamente à seleção da marcha picada, dentro da raça.
Eduardo conta que sempre foi muito próximo da família Andrade, proprietária da Passa Tempo, especialmente do professor Márcio Andrade. “Foi um dos fundadores da raça, formado em equinocultura, altamente qualificado e sem dúvida um dos grandes criadores que o Brasil já teve”.
O titular da Terra Brava Agropecuária já criava Mangalarga Marchador direcionado para marcha batida e, por ocasião da morte de Márcio Andrade, ganhou de sua tia, viúva de Márcio de Andrade, um cavalo, Desafio de Passa Tempo, o último filho vivo do Zinabre de Passa Tempo e 9 éguas todas fechadas na linhagem do Zinabre e do Invasor de Passa Tempo.
DESAFIOS DO RESGATE GENÉTICO
Iniciada há quase dois séculos, a seleção Passa Tempo tem como base quatro pilares: beleza, comodidade, resistência e agilidade. Dessa forma, o presente recebido foi o pontapé inicial para um projeto desafiador que foi estruturado em três etapas, como explica Eduardo.
Primeira etapa: resgate genético Segunda etapa: melhoramento genético Terceira etapa: reconhecimento do criatório a nível nacional.
“Entre 2002 e 2003 teve início a fase de resgate genético a partir de um levantamento do material que já existia e o que estava dentro do propósito em termos de qualidade de andamento e morfologia.”
Foi assim que animais como o último filho do Invasor de Passa Tempo, Licor, e outras 20 éguas, sendo a maioria com mais de 20 anos de idade chegaram ao criatório. “A Passa Tempo estava quase acabando, praticamente em extinção”, destaca Eduardo. Para se ter uma ideia das dificuldades de se promover o resgate genético, o criador conta que durante uma das viagens à Passa Tempo, em Minas Gerais, cidade berço da linhagem, 9 éguas foram adquiridas e de tão velhas e mal cuidadas, duas não resistiram a uma viagem de 300 quilômetros de caminhão. “Fizemos de tudo para salvá-las, mas não conseguimos”.
Em meio a este lote, havia uma égua jovem, Areruta de Passa Tempo, que estava prenha... Eduardo revela que não houve a preocupação em saber de qual cavalo a prenhez estava confirmada. “Sabíamos que era de um cavalo registrado, mas não sabíamos qual era”.
O nascimento de um potro extraordinário, no entanto, despertou a curiosidade de todos no criatório. Areruta pariu, simplesmente, Everest de Passa Tempo, hoje o principal garanhão do Haras, campeão do CBM e campeão na Nacional. “Era um potro diferenciado, fora da curva, um fenômeno da natureza que se transformou em um cavalo extraordinário de marcha e de produção, de uma genética muito consistente e uma beleza muito rara” relembra.
De acordo com Eduardo Campos, a partir daí, começou uma busca pelo pai de Everest de Passa Tempo e a descoberta de que era Duque da Cavaru-Retã, (filho do notável, Favacho Estanho x Vila de Passa Tempo, uma das uma das últimas éguas Passa Tempo a ser campeã nacional, filha do Invasor de Passatempo).
EVOLUÇÃO DA LINHAGEM
Já entrando na fase de melhoramento genético e com a clareza de que para se promover um processo de evolução genética é preciso ter variabilidade. A aquisição do Duque da Cavaru-Retã para o criatório passou a ser o objetivo de Eduardo, que adquiriu 100% do garanhão que tinha dois proprietários. “o Duque é um cavalo de marcha de centro legítima, a mãe é fechada na Passa Tempo e o pai Favacho fechado o que proporcionou uma heterose de sangue.”
Na avaliação do criador, a infusão do sangue Favacho na linhagem Passa Tempo teve um resultado extraordinário porque houve melhoria de marcha, mas também da parte zootécnica dos animais com evolução de casco, tendão, ossatura, direcionamento de frente, entre outras características.
Eduardo ressalta que os animais Passa Tempo estavam muito delicados, até por conta da consanguinidade e a chegada da linhagem Favacho muito bem estruturada reuniu beleza e marcha. “Eu acho que existe a história da Passa Tempo até o Márcio Andrade e acredito que, daqui a um tempo, vão falar de quando a Terra Brava assumiu a Passa Tempo, tendo como grande marca a junção dessas duas linhagens, sempre respeitando os critérios de seleção da Passa Tempo”.
CARACTERÍSTICAS PASSA TEMPO E ESCOLHA FAVACHO PARA A EVOLUÇÃO
O criador não poupa elogios ao falar sobre as qualidades da linhagem Passa Tempo. Segundo ele, os animais são de ‘uma beleza estética absurda’, sendo o mais próximo, na atualidade, do padrão da raça. “Eu era criança e lembro-me de várias pessoas falando que o conjunto de frente beira a perfeição, inclusive, tem um vídeo do Márcio Andrade mostrando o Desafio que era potro e ele dizia que a cabeça do cavalo representava o padrão da raça”.
Eduardo Campos destaca, além do conjunto de frente, o andamento marchado, equilibrando e amplo da linhagem Passa Tempo, segundo ele, a única linhagem verdadeiramente selecionada para a marcha picada. “Não se pode questionar essa qualidade do andamento de marcha picada voltada pro centro da Passa Tempo, a única linhagem que tem realmente consistência genética de marcha picada, forjada há mais de um século,” enfatiza.
Apesar de todos esses atributos, Eduardo Campos admite que os animais Passa Tempo necessitavam de algumas correções e, pela proximidade com o município de Oliveira, e convivência de perto com os animais, a escolha pela Favacho para o desenvolvimento da linhagem Passa Tempo foi natural. “Fomos atrás de uma linhagem que buscasse corrigir as deficiências da Passa Tempo, sem atrapalhar a marcha que é o nosso foco principal”.
Para o criador, a prova de que o caminho foi bem escolhido é a consolidação do Everest de Passa Tempo, tanto nas pistas quanto na produção. “Um cavalo extraordinário que foi campeão no CBM, campeão na Gameleira e passou muito próximo do título de campeão dos campeões lá na Bahia e agora se prova com um dos melhores reprodutores do Brasil, visto a qualidade de sua progênie.”
ABERTURAS DE SANGUE PARA O MELHORAMENTO
Depois do resgate genético o projeto Passa Tempo chegou à segunda fase do projeto cujo objetivo era buscar o melhoramento genético. Eduardo Campos ressalta que foi inevitável fazer algumas aberturas de sangue, mas sempre com muita consciência e muita responsabilidade.
Um dos cavalos escolhidos para atingir os objetivos foi o já consagrado Elfo do Porto Azul. Ele recorda que, à época a Terra Brava foi a maior compradora de coberturas do garanhão em Minas Gerais. “Compramos 30, utilizamos e hoje temos doadoras extraordinárias, doadoras de pista, filhas de Elfo em éguas Passa Tempo.”
A comprovação de que a estratégia foi acertada veio com o campeonato nacional de Jogo de Passa Tempo, um cruzamento do Elfo em égua Passa Tempo. Além desse, outros cruzamentos já mostram o resultado positivo dessa aposta. “Intenção de Passa Tempo, filha do Elfo com égua Passa Tempo, saiu na primeira pista da vida e foi campeã das campeãs em cima de duas éguas campeãs nacionais, hoje nós temos vários animais consolidados.”
As éguas Passa Tempo com o Elfo viraram doadoras e o Everest foi utilizado com as filhas do Elfo. Eduardo conta que para a surpresa de todos foi uma explosão de qualidade, tanto de beleza zootécnica, quanto de marcha. “Nós temos animais filhos do Everest em filhas do Elfo rodando, ganhando pista e, digo mais, o melhor animal nascido, na atual Passa Tempo, é resultado desse cruzamento Everest com uma filha do Elfo do Porto Azul.”
Mas não só o Elfo foi utilizado, “a tropa tem como base éguas fechadas Passa Tempo juntamente com éguas Passa Tempo com garanhões como o Duque, Iraque Pontal, Seu Chico Tandy,” revela Eduardo.
EVOLUÇÃO CONTÍNUA
Dentro do projeto iniciado no início dos anos 2000, Eduardo Campos considera que a fase do resgate genético já se deu por encerrada, mas ele frisa que o melhoramento é eterno, sempre em busca da evolução. “Já são duas décadas do trabalho de seleção de marcha picada na nossa gestão e eu digo com orgulho que a linhagem Passa Tempo, hoje, sob a administração da Terra Brava Agropecuária, vem colhendo resultados extraordinários dentro do Mangalarga Marchador.”
Com esse trabalho de evolução, os resultados da terceira fase, chamada de reconhecimento já começaram com vários animais sendo premiados, resultados expressivos inclusive nacionais e até nos leilões com médias excepcionais, sempre respeitando as origens da linhagem. “A gente sempre ressalta o respeito ao Márcio Andrade e toda sua família e aos critérios de criação constituídos por eles, sempre tentando melhorar, mas não abrindo mão dos critérios.’’
RECONHECIMENTO E PERSPECTIVAS PARA O FUTURO
A Terra Brava Agropecuária recebeu um prêmio da ABCCMM de que fomos o melhor criador de marcha picada do estado de Minas Gerais entre 2019 e 2021, o que mostra a seriedade e o comprometimento do trabalho que vem sendo realizado. “O foco para o futuro é a consolidação, principalmente por meio do Everest, mostrar para o Brasil a qualidade da sua progênie porque a produção dele é muito acima da média. Eu posso falar isso porque eu uso só Campeão dos Campeões Nacionais de Marcha em casa.
Eduardo acredita no sucesso desse objetivo, não só pela produção comprovada do Everest e sua consistência genética, mas também por ser uma nova opção de abertura de sangue, pois em função das condições atuais do mercado, temos hoje na raça apenas 3 linhas de garanhões, sendo referência para os compradores. O objetivo da Terra Brava é mostrar todo o potencial do Everest para o mercado, oferecendo um pacote genético de um trabalho de seleção de quase 200 anos e buscando sempre a evolução. “Um cavalo que tem consistência genética, que vem de um trabalho sério de seleção de marcha picada, maravilhoso de morfologia, que passou a um fio de cabelo de ser campeão dos campeões nacional de marcha, de uma produção extraordinária, negro maravilhoso. Então queremos mostrar esse trabalho e disponibilizar essa genética rara para outros criadores que querem melhorar os seus plantéis,” final.
*A Terra Brava Agropecuária – Presta homenagem ao grande cavaleiro e criador Márcio de Andrade (Faz. Campo Grande – Linhagem Passa Tempo), um dos melhores criadores de cavalos de todos os tempos.